Carta aberta ao novo Governo
28 de Abril, 2024Carta aberta à Procuradoria-Geral da República
26 de Maio, 2024O Movimento Cultural da Terra de Miranda divulga a presente análise
factual, tendo apenas por objetivo obter o esclarecimento das inquietantes
dúvidas que se levantam acerca da regularidade do funcionamento de duas
instituições públicas, a Autoridade Tributária (AT) e a Agência Portuguesa do
Ambiente (APA).
Este Movimento pretende apenas que os direitos tributários dos
municípios da Terra de Miranda sejam respeitados e efetivados e que sejam
dissuadidos ou eliminados todos os indícios de desrespeito por esses direitos.
Os direitos dos Municípios da Terra de Miranda são os direitos do seu
Povo e dos seus cidadãos em concreto, e estão claramente estabelecidos na
Lei. Esses direitos têm de ser respeitados, acima de tudo, em especial pelas
entidades públicas a quem incumbe a sua efetivação.
Os cidadãos deste Movimento pedem às instituições do Estado
Português, em especial aquelas que têm por função aplicar as leis e controlar,
fiscalizar e investigar essa aplicação, que esclareçam os indícios de
irregularidades que a seguir se enunciam.
Em face do silêncio até agora imperante e da falta de transparência
com que nos deparamos, publicamos o presente documento, reafirmando
publicamente, mais uma vez, o nosso pedido de esclarecimento e de
transparência.
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1 – A administração tributária sempre aplicou a doutrina que consta do
Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º
126/2005, de 11.05.2006, de que as barragens concessionadas à EDP
anteriormente à sua privatização são bens privados da concessionária, embora
implantados em terrenos do domínio público, pelo que, estando no património
destas, estão sujeitas ao pagamento do IMI.
2 – Este Parecer da PGR, votado por unanimidade, é vinculativo para
todos os órgãos da administração pública, nos termos do artigo 50.º do
Estatuto do Ministério Público, pelo que tanto a AT, como a APA, como
qualquer outro organismo público, estão obrigadas a seguir a doutrina que
dele consta
3 – A aplicação dessa doutrina consubstanciou-se na emissão das
correspondentes liquidações do IMI pelos serviços da AT, ao longo do tempo.
4 – Quando foi feita a avaliação geral de prédios urbanos, entre 2011 e
2012, na sequência da Reforma da Tributação do Património de 2003, a AT
efetuou a avaliação desses imóveis e continuou a liquidar o IMI sobre eles.
5 – Em 22/12/2015, a direção de serviços do IMI, da AT, informando
estar a “ser sucessivamente confrontada com pedidos de informação
acerca do enquadramento jurídico tributário das barragens, … pedidos
esses que provêm não só de algumas direções de finanças mas também do
núcleo de representantes da fazenda pública”, elaborou parecer jurídico,
concluindo no mesmo sentido daquele parecer do Conselho Consultivo da PGR,
que cita expressamente, e propondo a divulgação de instruções no mesmo
sentido. Este fundamento demonstra que a AT vinha liquidando o IMI sobre as
barragens. Foi proposta a difusão deste entendimento confirmador da
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legalidade das liquidações do IMI sobre as barragens (esta informação e o
despacho de sancionamento estão na página 61 do ficheiro, com o nome
“resposta MF BE”).
6 – Sobre esse parecer jurídico, exarou a diretora-geral da AT
despacho sancionatório em 20/12/2015, determinando a sua divulgação pelos
serviços para “uniformização de procedimentos”.
7 – Menos de 6 meses depois, iniciou-se um processo que conduziu a
uma completa inversão dos procedimentos da AT. Em 5/05/2016, o
entendimento da AT e da PGR são colocados em causa por uma informação
escrita, num procedimento cuja iniciativa se desconhece, número 98/2016,
mas invocando, do mesmo modo, a existência de liquidações do IMI sobre
barragens, que as “empresas concessionárias … vêm sistematicamente
impugnando junto dos tribunais tributários e no centro de arbitragem
administrativa (CAAD)”. Também este fundamento demonstra que a AT vinha
liquidando o IMI sobre as barragens. No mesmo dia, o diretor de serviços
emite parecer no sentido de que seja “ouvida a Agência Portuguesa do
Ambiente (APA) sobre o estatuto dominial das barragens de utilidade
pública” (página 54 do ficheiro com o nome “resposta MF BE”). Dois dias
depois, a diretora-geral manda remeter o expediente à APA.
8 – Em 11 de novembro de 2016, o mesmo diretor de serviços propôs
que “deveriam ser sustidos quaisquer procedimentos tributários em
curso, v.g. de inspeção, de avaliação, de tributação ou execução,
relativos a bens a que seja aplicável o entendimento jurídico ora
manifestado pela APA”. A diretora-geral determina que se defina um
procedimento para orientação dos serviços.
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9 – Em 23/05/2017, a subdiretora-geral dos impostos sobre o
património emite instruções para os serviços (página 61 do ficheiro, com o
nome “resposta MF BE”), determinando o seguinte:
i) A eliminação das matrizes prediais, de todos os prédios
correspondentes a barragens;
ii) A anulação de todas as liquidações do IMI sobre prédios
correspondentes a barragens, efetuadas nos 4 anos anteriores;
iii) A anulação de todas as liquidações do IMI sobre prédios
correspondentes a barragens, efetuadas até ao quarto ano
anterior, nos casos em que as liquidações tenham sido
impugnadas pelas concessionárias;
iv) A avocação para os serviços centrais de todos os poderes que a
lei estabelece nos serviços de finanças, de inscrição de prédios
nas matrizes e da sua alteração, bem como de promoção da
liquidação do IMI, quando se trate de prédios correspondentes a
barragens;
v) A criação de um registo central (uma espécie de matriz predial
urbana central) de prédios correspondentes a barragens, para
que sobre todos eles seja pedida a informação APA, sobre se são
ou não bens de domínio Público.
10 – Como facilmente se constata, estas instruções extravasam o
despacho da diretora-geral, que apenas mandava suster os procedimentos
tributários em curso, pelo que são claramente ilegais.
11 – A informação de 5/05/2016, o parecer de 11/11/2016, o despacho
do diretor-geral sobre ele exarado e as instruções de 23/05/2017, foram
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considerados ilegais pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), em
dois despachos, o primeiro dos quais exarado em 3 de fevereiro de 2023 e o
segundo em 16 de agosto de 2023, tendo determinado a sua revogação e a
repristinação do entendimento sancionado pela diretora-geral em 22 de
dezembro de 2015.
12 – Esses despachos do SEAF assinalam que essa ilegalidade é tripla,
porque se viola o Código do IMI, o caráter vinculativo, sobre toda a
administração pública, do parecer do Conselho Consultivo da PGR, e ainda
porque viola o princípio do inquisitório estabelecido no artigo 58.º da LGT, que
obriga a AT a fazer por si as investigações necessárias para apurar a real
situação tributária dos contribuintes.
13 – O Código do IMI estabelece que todas as edificações e construções
são considerados prédios sujeitos ao imposto, quando “façam parte do
património de uma pessoa singular ou coletiva” (artigo 2.º, n.º 1). Aquele
parecer da PGR conclui exatamente nesse sentido.
14 – O princípio do inquisitório do procedimento tributário obrigava a
AT, se alguma dúvida subsistisse após aquele parecer da PGR, a verificar se as
referidas barragens estavam inscritas no património das concessionárias,
através da sua contabilidade, à qual tem acesso direto e imediato, ou então
analisando os contratos de concessão, onde está consagrado expressamente
que as barragens construídas pelas concessionárias são bens próprios delas
enquanto durar a concessão. É a AT e não a APA que tem competência para
fazer essa verificação. Se o tivesse feito, como a lei manda, e como estava
perfeitamente ao seu alcance, teria concluído que dúvidas não existiam de
que as barragens, estando na titularidade das empresas concessionárias,
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estavam sujeitas ao IMI. Além disso, essa verificação nem sequer era
necessária relativamente às três barragens do Douro Internacional, porque a
sua sujeição ao IMI deriva diretamente do Parecer do Conselho Consultivo da
PGR.
15 – Por que motivo a AT contrariou a sua própria doutrina, além de
ter praticado aquela tripla violação da lei? Por que motivo a AT entregou à APA
a decisão da sujeição das barragens ao IMI, que é da sua própria e
irrenunciável competência?
16 – É hoje conhecido que todos os imóveis onde operam aquelas
barragens foram transmitidos duas vezes, do património da EDP para o da
Camirengia e desta para o da Movhera. Esse negócio foi antecipadamente
conhecido e autorizado pela APA. Por que motivo continua a APA a alegar que
esses imóveis integram o domínio público? E se assim entende, por que motivo
autorizou o negócio que legalmente seria nulo, porque os bens do domínio
público estão fora do comércio jurídico? E por que motivo a AT, conhecedora
do negócio, que inspecionou, continua a entender o mesmo (que os imóveis
integram o domínio público) e não liquidou o IMI até hoje?
17 – Não é habitual a AT alterar os seus entendimentos jurídicos, nem
mesmo nas situações em que a jurisprudência do STA os reprova, ao ponto de
a lei ter sido alterada para que em casos de jurisprudência consolidada, a AT
seja obrigada a alterar esses seus entendimentos (artigo 68.º-A da LGT).
Porém, neste caso, a AT alterou esse seu entendimento sem motivo nenhum,
sem que se conhecesse nenhuma decisão judicial e contra um parecer
vinculativo da PGR. O que explica esta mutação radical do entendimento da
AT?
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18 – Numa audição parlamentar, realizada no passado dia 18 de
outubro, na Comissão de Orçamento e Finanças ( https://
www.canal.parlamento.pt/?cid=7439&title=audicao-da-diretora-geral-daautoridade-tributaria-e-aduaneira), a diretora-geral da AT informou, a
propósito da alteração do entendimento antes referida, de 2016, que tinha
reunido com a EDP e ouvido as suas razões, acerca desta matéria, sem
especificar a data da realização dessa reunião.
19 – O conhecimento dos contornos dessa reunião é muito importante
para a resposta à questão anteriormente colocada, pelo que urge uma
resposta às seguintes questões:
i) Como chegou ao conhecimento da AT a necessidade de se fazer
essa reunião?
ii) Quem requereu essa reunião e a quem?
iii) Em que data se realizou a reunião?
iv) Se existe alguma nota ou qualquer outro tipo de registo da
reunião realizada?
v) Quem esteve presente na referida reunião?
vi) Como surgiu a ideia de a AT se submeter à APA no que respeita a
decisão sobre se as barragens integram ou não o domínio
público?
vii) Quem foi o autor dessa ideia?
viii) Por que motivo a AT não interpelou a EDP para que esta
informasse se as barragens constavam inscritas no seu Balanço?
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ix) Por que motivo AT não consultou os contratos de concessão de
cada uma das barragens, onde consta expressamente a
titularidade das construções das barragens?
x) Que factos ou documentos deram origem à abertura do
procedimento número 98/2016, da direção de serviços de
consultoria jurídica e contencioso;
xi) Por que motivo, sendo conhecedora de que as três barragens do
Douro Internacional foram alienadas, no negócio da sua venda,
em 2020, a APA continue a alegar que são bens do domínio
público e a AT continue, com o mesmo fundamento, a não
liquidar o IMI sobre elas?
20 – A urgência na resposta às questões anteriores foi adensada pelas
declarações prestadas pela senhora diretora-geral da AT na audição
parlamentar acima mencionada. Na verdade:
i) Informou a senhora diretora-geral que nunca na AT tinha sido
aplicada a doutrina constante do parecer do Conselho
Consultivo da PGR antes referido, sendo que os documentos
anteriormente citados revelam exatamente o contrário, ou
seja, que existiram liquidações, algumas das quais terão sido
objeto de impugnação, e que foram essas impugnações que
conduziram os serviços à apresentação das propostas que
deram origem aos dois despachos da senhora diretora-geral
antes do referidos;
ii) Informou também a senhora diretora-geral que a AT não podia
ter efetuado as liquidações do IMI, como lhe foi determinada
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pelo despacho do senhor Secretário de Estado dos Assuntos
Fiscais, de 3 de fevereiro, porque não conhecia quais eram os
prédios correspondentes às barragens nem quem eram as
concessionárias titulares desses prédios. Porém, como referem
os documentos anteriormente citados, que ela própria
sancionou, foi criado nos serviços centrais um registo central de
barragem, do qual deveriam constar todos os imóveis
correspondentes aos aproveitamentos hidroelétricos. Do mesmo
modo, foram anuladas todas as liquidações do IMI efetuadas
sobre as barragens, tendo sido essas anulações marcadas com
um código específico de anulação (o registo do motivo “82 –
anulação registo – prédio eliminado em data anterior à
liquidação”). Através desse código e dessas liquidações seria
muito fácil identificar tanto os prédios como os respetivos
titulares. A AT também conhecia perfeitamente, pelo menos
desde 2020, a existência de 6 barragens e a identidade dos
respetivos titulares.
21 – A urgência na resposta às questões anteriores decorre ainda das
declarações que a mesma diretora-geral da AT proferiu na audição
parlamentar realizada na Assembleia da República, na Comissão de Orçamento
e Finanças em 14 abril de 2021.
22 – Afirmou nessa audição, a senhora diretora-geral da AT que a
mudança de entendimento de 2016 ocorreu por efeito direto das decisões
arbitrais, que mandaram anular o IMI liquidado sobre as barragens. Essas
declarações podem ser encontradas no endereço: https://
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www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheAudicao.aspx?
BID=116930 em especial a partir do minuto 48’30’’.
23 – Mas essas declarações faltam gravemente à verdade. A verdade é
que o despacho da diretora-geral que altera o entendimento é da mesma data
da decisão proferida pelo tribunal arbitral, ou seja, o dia 18 de novembro de
2016.
24 – Informou ainda a diretora-geral da AT que foi o Tribunal Arbitral
que mandou anular as liquidações do IMI das barragens. A verdade é que,
como antes se refere, foram dadas instruções para anular todas as liquidações
efetuadas.
25 – Finalmente, nessa audição, a diretora-geral afirmou que todas as
barragens integram o domínio público, o que corresponde a uma afirmação
que colide com o parecer do Conselho Consultivo da PGR que a vincula a ela e
à AT. Essa declaração contraria também o conteúdo dos despachos do
Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 3 de fevereiro e de 16 de agosto
de 2023.
26 – Do mesmo modo, essa declaração, além de violar a lei, viola
também a vinculação legal da administração tributária ao parecer da PGR.
27 – As declarações da diretora-geral da AT na audição parlamentar de
14 abril de 2021, foram desmentidas pelo Presidente do Centro de Arbitragem
Administrativa (CAAD), que reagiu a elas em exposição dirigida ao Presidente
da Assembleia da República, em 23/2/2023.
28 – Nessa exposição, informou o Presidente do CAAD que foi a AT que
comunicou ao Tribunal Arbitral a alteração do seu entendimento, e que foi
essa comunicação que determinou a decisão arbitral de anular a liquidação do
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IMI impugnada sobre a barragem da Pracana. Essa exposição pode ser
consultada no seguinte endereço: https://www.caad.org.pt/files/
documentos/noticias/2023-02-08/factos.pdf. A mesma exposição pode ser
encontrada no seguinte endereço: https://www.caad.org.pt/files/
documentos/noticias/2023-02-08/Exposicao_AR-09-02-2023.pdf?v=1
29 – Em entrevista à edição do Diário de Notícias, de 9/2/2023, o
mesmo Presidente do CAAD Informou ainda, referindo-se à decisão do CAAD,
que “a nossa decisão teve precisamente como fundamento as novas
conclusões da AT que remetem a competência para a APA. E que esta
informação nos foi enviada pela própria autoridade tributária para que
fundamentássemos a decisão levando em conta a nova leitura. Ou seja,
não foi a decisão arbitral que alterou o entendimento da Autoridade
Tributária sobre estes casos, foi exatamente o contrário”. Nestas reações,
o Presidente do CAAD:
a. Parece admitir que a decisão do CAAD, de considerar que as
barragens estão no domínio público e não pagam IMI está
errada;
b. Informa que a AT não mudou de opinião acerca da incidência
do IMI sobre as barragens por causa da decisão do CAAD,
mas foi o contrário, o CAAD é que decidiu que as barragens
não devem pagar IMI por causa da mudança de
entendimento da AT. Esta declaração é muito importante
por duas razões:
i. Primeiro, porque não é verdadeira. O despacho da
diretora-geral a mudar o entendimento da AT é
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proferido no mesmo dia em que foi emitida a decisão
do CAAD. Se o CAAD teve conhecimento da mudança
de entendimento da AT antes da decisão da diretorageral, como obteve esse conhecimento?
ii. Segundo, porque a diretora-geral disse numa audição
parlamentar que a AT tinha mudado de opinião por
causa das decisões judiciais e não é conhecida
nenhuma decisão nesse sentido.
c. Informa que a AT, por sua livre iniciativa e sem que isso
tivesse nada a ver com a decisão do CAAD, anulou todas as
liquidações do IMI sobre as barragens, antes de qualquer
decisão judicial. Esta revelação é grave e era até agora
desconhecida, mas é confirmada pelos documentos que
constam do ficheiro em anexo do presente requerimento.
Na verdade, não é conhecida nenhuma decisão a ordenar a
anulação das liquidações.
d. Todos os documentos relativos à posição do CAAD podem ser
consultados em https://www.caad.org.pt/comunicacao/
imprensa/imi-nas-barragens-n%C3%A3o-foi-decis%C3%A3oarbitral-que-mudou-posi%C3%A7%C3%A3o-do-fisco
30 – Os factos antes enunciados parecem evidenciar que a diretorageral faltou à verdade ao Parlamento, tentando esconder as verdadeiras
razões não só da mudança de entendimento acerca da incidência do IMI sobre
as barragens, como também acerca das verdadeiras razões para ter mandado
anular todas as liquidações do IMI dos anos anteriores sobre barragens.
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31 – Não é só grave que se falte à verdade ao Parlamento, como
também o é que não se saibam as razões daquelas duas decisões, como ainda
o é a necessidade de se esconderem essas razões, invocando outras que não
são verdadeiras. Porquê?
32 – Ficou a saber-se, na audição parlamentar de 18 de outubro de
2023, mediante declaração da diretora-geral da AT, que ela recebeu em
reunião a EDP, onde esta empresa lhe apresentou as suas razões acerca do IMI.
Teve essa reunião alguma conexão com as decisões da mesma diretora-geral
sobre o IMI das barragens?
33 – Esta pergunta tem ainda mais pertinência, porque as decisões da
mesma diretora-geral acerca do IMI das barragens estão, estranhamente,
associadas à petição de impugnação, entregue pela EDP, do IMI liquidado
sobre uma barragem. Na verdade:
a. A EDP apresentou essa impugnação em 22/3/2016 (Pode consultarse aqui a decisão arbitral com o nome Processo n.º 180) e a AT foi
notificada da constituição de tribunal arbitral em 22/3/2016.
Pouco mais de um mês depois (em 5/5/2016), foi emitida a
proposta que dá origem à decisão de suspensão das liquidações . 1
b. A decisão do tribunal arbitral é de 18/11/2016, curiosamente o
mesmo dia em que a Diretora-geral da AT exarou o despacho
ordenando a suspensão da liquidação ao IMI sobre as barragens.
Existe, porém, uma nuance nesta informação, que é muito importante. Ela reforça que barragens 1
classificadas como de utilidade pública são bens do domínio público e, como tal, não deveriam ser objeto
de avaliação e tributação. No entanto, nunca fala na hipótese de as barragens serem bens privados e
estarem no património de entidades privadas. Pelo contrário, na alínea g) dessa informação, afirma-se,
expressamente, que “apenas não são bens do domínio público os bens imóveis incluídos no património
da empresa concessionária”, acrescentando-se, de seguida, alguns exemplos.
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c. Assim, aparentemente, a decisão da diretora-geral da AT, de
suspender a liquidação do IMI e a aplicação da doutrina por si
própria sancionada um ano antes, não é sustentada por nenhuma
decisão judicial;2
d. Poderá estar na base dessa decisão apenas a impugnação, pela
EDP, da liquidação do IMI, e provavelmente a reunião que foi
mantida pela AT com a EDP;
e. Como consta da decisão arbitral, a AT não defendeu o ato
impugnado no processo, assim contribuindo para a anulação da
liquidação do IMI. Por que motivo a AT não defendeu, como lhe
competia, a liquidação? A estranheza acerca desse comportamento
adensa-se pelo facto de os serviços da AT terem anteriormente
indeferido a reclamação graciosa que a EDP deduziu contra a
liquidação do IMI. Na verdade, como consta dessa decisão, a AT
“não defende sequer a posição da AT constante do
indeferimento da reclamação graciosa da Requerente, quanto
à alegada isenção anterior por força do seu também alegado
estatuto de entidade pública e, com maior relevância, ii) não
contesta qualquer interpretação das normas supra citadas no
sentido da presente decisão constante, que é, essencialmente,
o vertido pela Requerente no seu pedido arbitral”. A que se
deve essa passividade da AT no processo?
Este facto contraria o que a Diretora-geral disse em audição parlamentar, na AR, de que a posição da AT 2
tinha mudado por causa dessa decisão arbitral
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f. Ainda sobre a decisão arbitral, por que motivo a AT não requereu
que a EDP juntasse ao processo extrato do balanço, de onde
constasse a inscrição das barragens no ativo da concessionária?
g. Por outro lado, importa saber se a doutrina da decisão arbitral se
aplica às restantes barragens;
h. E se a decisão arbitral assume que se aplica às barragens o
disposto no Decreto-Lei n.º 477/80, que manda constituir o
cadastro dos bens imóveis do Estado, por que motivo não foi
solicitada à entidade responsável por esse cadastro, se esses
imóveis constavam do cadastro dos bens do domínio público. Por
que motivo a AT nunca solicitou informação a essa entidade?
i. A Câmara Municipal de Miranda do Douro fez essa solicitação e
recebeu resposta inequivocamente negativa, pelo que, pelo menos
as barragens situadas neste município, nunca integraram esse
cadastro, pelo que nunca foram consideradas como integrantes do
domínio público do Estado, pela entidade competente para tal.
34 –As dúvidas acerca do comportamento da AT são ainda adensadas
pelo seguinte:
a. A decisão da diretora-geral, de 2016, limita-se a mandar suspender
as liquidações e não revoga a doutrina por si sancionada em
22/12/2015, segundo a qual é devido IMI pelos edifícios e
construções que integram as barragens, sempre eles integrem o
ativo das concessionárias. Isso mesmo foi confirmado pela
diretora-geral na audição parlamentar de 14 de abril de 2021. As
instruções da subdiretora-geral, que manda anular todas as
liquidações do IMI sobre barragens, vão muito mais além do
contido no despacho da diretora-geral, bem como no parecer onde
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foi proferido, que propunha apenas a suspensão de todos os
procedimentos. Perante esta estranha divergência, é necessária
resposta às seguintes questões:
a. Quantos prédios foram desativados das matrizes prediais em
cumprimento da instrução de serviço número 40048 série
um 23/05/2017 da Subdiretora-geral da Área dos Impostos
Sobre o Património?
b. Qual a quantidade de liquidações do IMI que foram anuladas
em cumprimento dessa instrução de serviço?
c. Qual o valor das liquidações do IMI que foram anuladas em
cumprimento dessa instrução de serviço?
d. Qual a quantidade e o valor patrimonial tributário global de
prédios com o registo do motivo “82 – anulação registo –
prédio eliminado em data anterior à liquidação”, desde
2017?
e. Qual a quantidade e o valor das liquidações do IMI sobre
barragens, impugnadas nos tribunais tributários até a data
de 11/11/2016?
f. Qual a quantidade e o valor das liquidações do IMI sobre
barragens, impugnadas no Tribunal Arbitral até a data de
11/11/2016?
g. Qual a quantidade decisões judiciais ou arbitrais que já
tinham transitado em julgado nas impugnações antes
referidas a data de 11/11/2016?
b. Por que motivo a AT se colocou na dependência da APA para
interpretar a própria lei fiscal, se a lei confere à AT todos os
poderes e o dever de conhecer, ela própria da natureza das
edificações das barragens e da sua titularidade, sendo certo que
dispõe de centenas de inspetores licenciados em economia,
auditoria e contabilidade que, facilmente, poderiam verificar
através dos elementos contabilístico da EDP, que até estão na sua
posse, que as barragens constavam do património da EDP? E a
estranheza é ainda maior quando a EDP é minuciosamente
16
acompanhada por uma unidade especializada em grandes
contribuintes.
c. Por outro lado, a APA respondeu à AT de forma lacunar, limitandose a enunciar e a transcrever o disposto no artigo 4.º do DecretoLei n.º 477/80, de 15/10, cujo âmbito de aplicação são apenas os
imóveis do Estado e não aqueles que são titularidade de entidades
privadas, como é o caso das barragens detidas pelas
concessionárias?
35 – Estes comportamentos, até agora inexplicados, da AT e da APA,
acrescem a outros idênticos, com mudanças de entendimento sucessivas e
contraditórias, no que respeita ao Imposto do Selo e ao IMT que incidem sobre
o negócio da venda das barragens, bem como à estranha alteração ao artigo
60.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ocorrida na Lei do Orçamento do
Estado para 2020, alguns meses antes do negócio.
36 – A EDP sabe, desde o Parecer de 2006 da PGR, que é sujeito passivo
do IMI das barragens. Sabe-o porque foi esse parecer, nos termos do seu
próprio conteúdo, foi solicitado porque a mesma EDP reivindicava ser titular
da propriedade das barragens que estão na origem dele, e que mantém esse
direito até à extinção da concessão. A EDP sabe, porque a emissão desse
parecer seu por ela desencadeado, a doutrina dele constante se aplica a todas
as barragens que estavam no seu balanço à data da sua privatização.
37 – Sabendo de tudo isso, a EDP sabia que devia entregar uma
declaração modelo 1 do IMI para desencadear o procedimento de avaliação,
nos termos do Código do IMI.
38 – A falta de entrega de declarações necessárias para liquidar os
impostos, quando intencional, de modo que impeça a liquidação e o
pagamento do imposto, constitui crime de fraude fiscal, nos termos do artigo
17
103.º do RGIT. Quando esse crime é praticado com recurso a ajuda de
funcionário, constitui fraude fiscal agravada.
39 – Na impugnação da liquidação do IMI perante o Tribunal Arbitral,
anteriormente referida, a EDP invocou que não era titular do direito de
propriedade sobre a barragem que deu origem à liquidação impugnada,
acrescentando que se trata de bem do domínio público. É necessário apurar
de que barragem se trata e se, pelo que parece, a EDP tinha essa barragem no
seu balanço. Se assim for, a EDP invocou um argumento enganoso, que levou o
tribunal arbitral a proferir uma decisão assente em pressupostos erróneos.
40 – Em 28 de dezembro de 2020, o então Secretário de Estado dos
Assuntos Fiscais, e atual Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro,
Mendonça Mendes, deslocou-se a Miranda do Douro, acompanhando o então
Ministro do Ambiente, Matos Fernandes, município onde se localizam duas das
barragens vendidas no conhecido negócio da venda das barragens. Essa visita
ocorreu dez dias depois desse negócio das barragens, e já com o clamor
público de que um negócio de 2,2 mil milhões de euros poderia não ter pago
nenhum imposto.
41 – O então Ministro Matos Fernandes, acompanhado do então SEAF,
declarou à comunicação social que as barragens não estão sujeitas ao IMI e
que o negócio da sua venda não estava sujeito ao IMT nem ao Imposto do Selo,
porque se tratava de bens do domínio público.
41 – Essa declaração é estranha, porque feita por um ministro sem
competência em matéria fiscal, apesar de estar acompanhado do SEAF.
42 – É também estranha essa declaração, porque o contrato de venda
das barragens não era conhecido e o próprio Ministro do Ambiente declararia,
18
alguns dias depois, em audição parlamentar, que não conhecia o negócio. Mas
se assim é, é estranho que uma pessoa com tão grandes responsabilidades
faça as declarações que fez.
43 – Com a sua declaração, o Ministro violou também o parecer da PGR
a que está vinculado.
44 – Em 2023, com os dois despachos que proferiu sobre a matéria, nos
termos antes referidos, o atual SEAF determinou à AT a liquidação do IMI
sobre as barragens. Esse despacho desautorizou e desmentiu o Ministro Matos
Fernandes e o então SEAF que o acompanhou em silêncio nessa declaração.
45 – Ao ter determinado a liquidação do IMI, o atual SEAF determinou
implicitamente a liquidação do IMT sobre a transmissão das barragens, e
também do Imposto do Selo, pelo menos da verba 1.1 da Tabela Geral do
Imposto do Selo, o atual SEAF desautorizou completamente aquelas
declarações, permitindo concluir, aparentemente sem margens para dúvidas,
que aquelas declarações violaram a lei fiscal e o parecer da PGR.
46 – Entre a data dessas declarações e a dos despachos de 2023 nada
ocorreu de novo, pelo que o conhecimento jurídico que existe à data de 2023
é o mesmo da data em que aquelas declarações foram proferidas.
47 – Por que motivo o Ministro do Ambiente, Matos Fernandes,
acompanhado do então SEAF, Mendonça Mendes, se deslocaram a Miranda do
Douro para fazerem aquelas essas declarações? Com base em que factos foi
decidida essa viagem e a emissão dessas declarações.
48 – Foi instaurado inquérito criminal à EDP por fraude na liquidação do
IMI? Se não foi, por que motivo?
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49 – A diretora-geral da AT não cumpriu até à data em que é escrito
este texto (18/11/2023), os dois despachos do Secretário de Estado dos
Assuntos Fiscais, que determinam a liquidação do IMI sobre as barragens, o
primeiro dos quais exarado em 3 de fevereiro de 2023 e o segundo em 16 de
agosto de 2023. A emissão do segundo despacho menciona expressamente que
se destina a insistir com o cumprimento do primeiro.
50 – Em ambos os despachos, o SEAF ordena à diretora-geral da AT que
cumpra o Parecer da PGR de 2006, anteriormente citado. Ao fazê-lo, o SEAF
está a classificar como ilegal a conduta da AT e da APA desde 2016.
51 – Apesar da clareza e assertividade de ambos os despachos do SEAF,
a diretora-geral da AT não os cumpriu. Porquê?
52 – O Ministro das Finanças assegurou, em audição parlamentar
realizada no dia 28 de junho de 2023, em nome do Governo, que o IMI das
barragens do ano 2019 não caducaria (https://www.publico.pt/2023/06/28/
economia/noticia/fisco-cobrara-imi-barragens-ate-fim-ano-garante-medina-2054970). À
data da elaboração deste texto (18/11/2023) ainda não haviam sido realizadas
as avaliações, ou seja, 5 meses depois dessa garantia, a AT nada fez de
conhecido até agra.
53 – Depois da conclusão das avaliações dos imóveis, que ainda está em
falta, ainda falta o decurso do prazo para a consumação das notificações e
mais 30 dias para os sujeitos passivos, os municípios e a própria AT
reclamarem do respetivo valor e realizar as segundas avaliações, sendo
manifestamente impossível cumprir essas diligências e efetuar a liquidação do
IMI e a sua notificação até ao final do ano, pelo que, com elevada segurança,
caducará o direito à liquidação do IMI do ano 2019. Violar-se-á, por
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responsabilidade exclusiva da hierarquia da AT, essa garantia do Ministro das
Finanças e do Governo.
54 – A diretora-geral da AT informou na audição parlamentar de 18 de
outubro que estava a aguardar que a APA lhe indicasse quais as barragens a
que se aplicavam os despachos do SEAF. Porém:
i) A diretora-geral da AT conhecia essas barragens, porque
tinha mandado, em 2017, criar um registo das barragens
nos serviços centrais;
ii) Eram conhecidas, desde 2020, as barragens vendidas no
negócio, às quais poderia e deveria ter sido liquidado o
IMI, desde logo;
iii) A AT tem acesso direto aos balanços das concessionárias,
onde facilmente poderia ter verificado que deles
constaram sempre essas barragens;
iv) A AT tem acesso direto aos contratos de concessão, onde
está claramente consignado que as barragens são da
titularidade das concessionárias;
v) No despacho de fevereiro de 2023, o SEAF determina que
a liquidação do IMI sobre as barragens não deve depender
da APA. Por que motivo a AT se colocou de novo na
dependência da APA?
vi) O despacho do SEAF manda a AT repristinar o seu
entendimento de 2015, antes referido. No cumprimento
desse despacho, deveria a AT ter efetuado imediatamente
as liquidações relativamente às mesmas barragens sobre
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as quais haviam sido efetuadas as liquidações do IMI que
foram mandadas anular pelas instruções de 2017. Por que
razão a AT ainda não cumpriu essas instruções?
vii) Se a diretora-geral da AT não cumpre as instruções
expressas do Governo, deve ser imediatamente demitida.
Por que razão não o foi ainda?
52 – Cerca de um mês depois do segundo despacho do SEAF, a diretorageral da AT emitiu instruções acerca da metodologia de avaliação das
barragens, das quais até esta data ainda nada resultou. Essas instruções são
ilegais, pelos seguintes motivos:
i) Violam o conceito de prédio, estabelecido no n.º 1 do artigo 2.º
do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis (CIMI), porque
dele faz parte essencial o elemento económico, nos termos do
qual, o prédio tem de ser capaz de produzir rendimentos. Ora,
um aproveitamento hidroelétrico sem equipamentos não o é,
nem é prédio, porque não pode produzir energia elétrica nem,
por isso, rendimento;
ii) Violam a própria Portaria n.º 11/2017, de 9 de janeiro, que
define quais os prédios que são avaliados com base no critério
do custo, designando os aproveitamentos hidroelétricos como
Centros electroprodutores. Sem equipamentos, as barragens
não produzem energia hidroelétrica, e não há centros
electroprodutores sem equipamentos;
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iii) Violam expressamente as normas do artigo 43.º do
CIMI, que determinam a inclusão dos equipamentos na
avaliação do IMI, nomeadamente:
a. Dos elevadores em prédios com menos de 4 pisos
que embora não sendo indispensáveis à construção
aumentam o seu potencial de produção de
rendimento;
b. Das escadas rolantes em centros comerciais que
também não sendo obrigatórias, aumentam o valor
patrimonial do prédio;
c. Dos sistemas de climatização, que apesar de não
serem obrigatórios nem indispensáveis, aumentam o
valor patrimonial tributário dos imóveis, nos termos
da mesma norma legal;
d. Dos “Outros equipamentos de lazer”, que a mesma
norma estabelece que aumentam o VPT dos
imóveis. É sintomático que se trate de
equipamentos de lazer, que nos termos da alínea g)
do n.º 2 do artigo 43.º do CIMI, “todos os que sirvam
para repouso ou para a prática de atividades lúdicas
ou desportivas”. Ou seja, equipamentos não
necessários nem indispensáveis, mas que aumentam
as funcionalidades dos prédios;
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e. Dos equipamentos de cozinhas e casas de banho,
expressamente enunciados nas alíneas a) e b) do n.º 2 do
artigo 43.º do CIMI;
iv) Violam diretamente o n.º 2 do artigo 39.º do Código do IMI, que
prevê expressamente que o custo dos equipamentos entra
diretamente no valor médio de construção, que serve de base
ao sistema de determinação do VPT dos prédios urbanos;
v) Violam o n.º 3 do artigo 12.º do Código do IMT, que estabelece
que o valor tributável deste imposto tem como referência o
VPT dos imóveis transmitidos, ao qual deve ser adicionado o
valor das partes integrantes (que são basicamente
equipamentos), nos casos em que esse valor não esteja incluído
no VPT.
53 – Por que motivo a AT pratica um erro com esta gravidade, é um
mistério muito difícil de entender. E quando estes erros e ilegalidades são
sucessivos, ainda mais difícil se torna essa compreensão.
54 – E quando todos têm em comum o benefício para a EDP e o
prejuízo para as populações, que na verdade são as credoras do IMI, o
mistério torna-se insuportável num Estado de Direito Democrático.
Terra de Miranda, 22 de novembro de 2023